A fábula “Coma os Morangos”, também amplamente conhecida como “O Tigre e o Morango”, é um conto clássico da tradição Zen-Budista que encapsula de forma poderosa a essência da impermanência e a importância da atenção plena (mindfulness). Embora seja uma narrativa simples, ela oferece uma profunda reflexão sobre a condição humana, o medo da morte e a capacidade de encontrar alegria e beleza no momento presente, mesmo em meio ao perigo e à inevitabilidade do fim [1] [2].
A História: O Tigre e o Morango
A parábola narra a experiência de um homem que, ao caminhar por um campo, se depara subitamente com um tigre faminto em seu encalço. Em uma fuga desesperada, ele corre até a beira de um precipício e, para evitar ser devorado, agarra-se às raízes expostas de uma vinha selvagem, ficando pendurado sobre o abismo.
Acima dele, o tigre fareja, incapaz de alcançá-lo, mas aguardando pacientemente. Ao olhar para baixo, o homem vê outro tigre, ou um abismo mortal, esperando por sua queda. Sua única sustentação é a frágil vinha. Para aumentar seu terror, ele percebe dois ratos, um branco e um preto, roendo incessantemente a raiz da vinha, tornando sua queda iminente.
Nesse instante de terror e suspensão, seus olhos capturam algo inesperado: um belo e maduro morango crescendo na vinha, ao alcance de sua mão. O homem, com uma das mãos ainda agarrada à raiz, estende a outra, colhe o morango e o leva à boca. Ao saboreá-lo, ele exclama: “Que delícia!” [1].
Simbolismo e Interpretações
A riqueza da fábula reside na sua profunda simbologia, onde cada elemento representa uma faceta da existência humana e da passagem do tempo.
| Elemento | Símbolo | Significado na Vida |
|---|---|---|
| O Homem | A Consciência | O ser humano em sua jornada pela vida. |
| O Tigre (Acima) | O Passado/A Morte | Os perigos, o medo, o que nos persegue e a inevitabilidade da morte. |
| O Abismo/Tigre (Abaixo) | O Futuro/O Desconhecido | O destino incerto, o renascimento (no contexto budista) ou a morte final. |
| A Vinha/Raiz | A Vida | O fio tênue da existência ao qual nos agarramos. |
| Os Ratos (Preto e Branco) | O Tempo | O dia e a noite, roendo continuamente a duração de nossa vida [1]. |
| O Morango | O Momento Presente | A beleza, a alegria e o prazer que podem ser encontrados no agora [2]. |
A Perspectiva Zen (Positiva)
A interpretação mais difundida e positiva, ligada ao Zen-Budismo, foca na mensagem de viver o presente. O morango representa a capacidade de apreciar a doçura da vida, mesmo quando estamos cercados por ameaças e pela certeza da morte.
“A morte é certa, mas até morrer podemos apreciar a vida. Você aprecia sua existência? Mesmo com dificuldades, problemas, insatisfações, doenças e mortes? Percebe também a doçura de um nascer do sol, de uma flor ou de uma criança?” [1]
O ensinamento central é que, embora o tempo (os ratos) esteja constantemente consumindo nossa vida (a vinha) e a morte (os tigres) seja inevitável, a única realidade que possuímos é o instante presente. A atitude do homem de saborear o morango é um ato de mindfulness — a escolha consciente de focar na experiência sensorial imediata, em vez de se paralisar pelo medo do passado ou do futuro.
A Perspectiva do Samsara (Cuidado)
Existe uma variação da história, por vezes chamada de “O Doce Sabor do Mel”, que oferece uma interpretação mais cautelosa, ligada ao conceito budista de Samsara (o ciclo de sofrimento, morte e renascimento) [1].
Nesta versão, o mel (ou o morango) representa os prazeres sensoriais que nos distraem da nossa verdadeira e perigosa situação. O homem, ao se concentrar no sabor doce, está ignorando a realidade da impermanência e do sofrimento que o cerca. Os prazeres momentâneos (o mel) tornam-se uma forma de apego que impede a libertação do ciclo de Samsara.
Essa visão serve como uma alegoria para a condição humana: estamos cercados por perigos e pela inevitabilidade do karma (representado por dragões no abismo em algumas versões), mas nos distraímos com desejos e satisfações imediatas, falhando em buscar a iluminação ou a verdadeira compreensão da realidade [1].
Conclusão: O Ensinamento do Morango
Independentemente da nuance interpretativa, a fábula “Coma os Morangos” permanece como um poderoso lembrete filosófico. Ela nos convida a reconhecer a fragilidade da vida e a certeza da morte, mas, crucialmente, a não permitir que essa consciência nos roube a capacidade de experimentar a alegria.
O morango não é um convite à irresponsabilidade, mas sim um chamado à presença. É um ensinamento para que, mesmo com os “tigres” do passado e do futuro rugindo, possamos nos inclinar para a beleza do agora, saboreando a doçura fugaz de cada momento da nossa existência [3].
Referências
[1] Olhar Budista. [Contos] O Tigre e o Morango e, O Doce Sabor do Mel. Disponível em: https://olharbudista.com/2025/08/21/contos-o-tigre-e-o-morando-e-o-doce-sabor-do-mel/
[2] Para além do agora. A parábola dos morangos – Para além do agora. Disponível em: https://paralemdoagora.wordpress.com/2014/12/18/a-parabola-dos-morangos/
[3] Conto Zen – O tigre e o morango. Conto Zen – O tigre e o morango. Disponível em: http://ivancarlo.blogspot.com/2022/06/conto-zen-o-tigre-e-o-morango.html

